terça-feira, 30 de novembro de 2010

O dia em que meu tio falou um palavrão

Meu tio, F., dirigia pelas ruas do centro da cidade. Ele estava indo ao seu antigo local de trabalho encontrar um cliente. No caminho, - ele me disse – pensava em como fora fazer aquele mesmo trajeto todos os dias por tanto tempo, as pessoas que encontrava no caminho, os restaurantes nos quais almoçava. Tudo o que fora rotineiro na época em que seu escritório ficava naquela parte da cidade.

F. chegara a sua rua de destino, bastava entrar no estacionamento do prédio, com a devida autorização, é claro. Ele, então, enfileirou seu carro atrás de outros que também manobravam e parou, aguardando.

Um vulto se aproximou. Vendo que era um rosto conhecido, meu tio abaixou o vidro do veículo. Era o mesmo guardador de carros e manobrista que sempre cuidara de seu carro quando não havia vaga dentro do prédio, com sua habitual aparência cansada, levemente maltrapilha, e simpática. Tio F. esboçou um breve sorriso, não lembrando de imediato o nome do homem a sua frente.

“Patrão” – disse a figura e F. revirou os olhos: quem surgira com a idéia de chamar assim àqueles a quem eles prestam serviço uma única vez? – “Quanto tempo que o senhor não aparece por aqui. – meu tio limitou-se a assentir - O senhor engordou, hein!”

Constrangido, tio F. fechou a cara e tentou, por educação, mudar de assunto – “Mas e você, continua aqui? Como está a vida?”

O guardador de carros insistiu. “Mas, sinceramente, o senhor tem certeza de que não ganhou uns quilinhos? Está precisando fazer uma dieta, não acha? O senhor ESTÁ COM UM CARÃO!” – gesticulou com as mãos uma forma oval enquanto falava e tio F., que normalmente era uma pessoa calma, quase enterrou as mãos em seu pescoço. Em pensamento, felizmente.

Onde já se vira insultar desta maneira uma pessoa que não via há muitos meses?! Era realmente um absurdo! – pensou meu tio. O que lhe dava o direito, afinal, de tratá-lo assim?

A recente cena repassava em sua mente. O homem rira de sua cara e alegara em altos brados que meu tio havia engordado. Uma pessoa sociável certamente ficaria melindrada de falar algo assim.

“Carão?!” – sua voz ao retrucar, percebeu ele, saíra enfurecida – “%$#&*$%!! Carão quem tem é a sua mãe!”

O homem, assustado, afastou-se do carro.

A fila andara e tio F., suando frio, rapidamente fechou o vidro e dirigiu-se ao estacionamento. Ele, que normalmente era muito tranquilo e não se deixava abalar, perdera as estribeiras.

Esse foi o dia em que meu tio exclamou um palavrão.
Hoje, ele ri desse fato bizarro. E não precisou fazer dieta para isso.





*Crônica baseada em um relato real

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Harry Potter: o começo do fim

A primeira parte do longa “Harry Potter e as Relíquias da Morte” parte 1 (“Harry Potter and the Deathly Hallows”) chega aos cinemas este fim de semana e agrada por sua lealdade ao livro. Dividido em duas partes, o filme baseado no romance de J.K.Rowling traz euforia, lágrimas e muita ação.

O mundo bruxo está em guerra, e, desta vez, a vantagem está ao lado do Lorde das Trevas e dos Comensais da Morte. Harry, mais maduro, tem a missão de procurar as Horcrux, fragmentos da alma de Voldemort e, para isso, precisa deixar para trás a tudo e a todos, seu lar e escola – Hogwarts – e aqueles a quem considera mais queridos. Como em toda guerra, há perdas, e o garoto, agora com dezessete anos, sente-se culpado pelos acontecimentos e confuso quanto às ordens que Dumbledore lhe deixou para concluir a tarefa.
Obviamente, seus mais fiéis amigos, Rony e Hermione o acompanham e é justamente aí que a tensão aumenta. Fugindo por serem procurados pelos Comensais, sem notícias da família e tendo pouco progresso em sua busca, a convivência a três se torna cansativa e conflituosa. O filme retrata esse fato muito bem, apesar de rapidamente - como a maioria dos episódios enfrentados por eles – explorando o psicológico não só das personagens, como também atingindo o expectador.
Como deixar de se emocionar nos momentos mais tocantes do filme, de exaltar-se quando uma personagem corre perigo ou celebrar uma vitória no percurso tão tenebroso de nossos heróis.

O ritmo é intenso, as cenas de tirar o fôlego e os efeitos especiais marcantes. Em um piscar de olhos, uma descoberta crucial para a busca do trio torna-se uma cena de ação quando surgem outros obstáculos a ultrapassar e vilões a enfrentar.
Comparado aos outros filmes, o roteiro está mais completo, melhor adaptado da história original e grande parte do longa é retratado fielmente. A licença cinematográfica traz uma pitada de tensão e humor, que se encaixam perfeitamente ao contexto. Certamente méritos do diretor David Yates que depois de "Ordem da Fênix" e "Enigma do Princípe" retorna ao comando da saga, desta vez mostrando aos fãs o que querem ver.

As atuações não deixam a desejar, principalmente do trio Daniel Radcliffe (Harry), Rupert Grint (Rony) e Emma Watson (Hermione), no qual a trama é centrada. Há destaque também para Ralph Fiennes, que de forma brilhante personificou Voldemort novamente, Jason Isaacs e Alan Rickman como Lucius Malfoy e Severo Snape, respectivamente, cujas aparições, apesar de curtas, foram marcantes; Bill Nighy como o Ministro da Magia e Rhys Ifans como Xenofílio Lovegood. Os elfos Dobby e Monstro (Kreacher), cuja presença no livro já tinha sido especial, no filme deram um toque divertido e até emocionante às telas.

Cada vez mais a jornada de Harry fica mais difícil, complexa e comovente, deixando um gostinho de quero mais para o próximo filme - que será lançado em julho de 2011 -, e, ainda, um aperto no peito por sabermos que em breve chegará ao fim a saga que marcou presença por uma década. Tenha sido em uma estante de livros, nos cinemas, em eventos ou nas amizades que fizemos por causa dela.

domingo, 7 de novembro de 2010

Exercendo meu dever cívico

Vi-me, pela primeira vez, frente a certo dever de cidadão. Após andar algumas quadras eu chegara a meu destino. O destino que me faria contribuir para o país nos próximos quatro anos. Entrava eu em um colégio próximo à minha casa, segurando minha identidade e meu título de eleitor. Nas semanas que antecederam esta data eu estivera, por alguns minutos de meu dia, assistindo propaganda eleitoral para me decidir e ir às urnas pela primeira vez. Uma perda de tempo? Talvez. Uma inutilidade? Não.

Era pouco mais de meio dia, chovia e havia uma fila grande em minha seção eleitoral. Postei-me então no final da linha, com os documentos em uma mão e um guarda-chuva um pouco maior do que eu na outra.
Olhei através do pátio do colégio e avistei alguns conhecidos, colegas de outras épocas, pessoas que eu não havia encontrado mais, apesar de morarmos próximos, indivíduos que, agora, eu conhecia somente on-line. Alguns me acenaram, alguns poucos fingiram nunca terem me visto e outros realmente estavam distraídos demais para se importar com o que acontecia ao redor.

Enquanto esperava que minha vez chegasse, observei meu entorno. Várias pessoas conversavam e discutiam sobre o sistema eleitoral brasileiro - não só mais velhos que eu, como jovens também -, umas também comentavam sobre seus filhos no colégio e outras, ainda, combinavam reuniões de família e amigos que não se viam há séculos. Um senhor às minhas costas falava à esposa ao telefone como Rio e São Paulo diferem na escolha dos governantes e como os brasileiros ainda não adquiriram totalmente a postura de votar consciente, sem pechinchas e segundas intensões.

Finalmente, me dirigi à mesa e os mesários também reclamavam que ainda não haviam votado e muito menos almoçado. Bom, eu também não e um vazio surgiu em meu estômago. Assinei e segui em frente para uma segunda fila. Felizmente, só haviam duas pessoas à minha frente e pude rapidamente computar meu voto.

Saindo de lá, tive a sensação de dever cumprido, de escolha consciente (mesmo que as opções não fossem muito propícias, fosse para quais cargos fossem), de ter votado democraticamente, e de alívio. No geral, feliz, por estar podendo valorizar e usufruir de um direito que levamos tanto tempo para reconsquistar.
Tinha dezoito anos, um título de eleitor e meu dever cívico exercido.
Pelo menos, até o segundo turno, que, curiosamente, estava mais vazio e foi muito mais sem graça em termos de experiência como cidadã, e como escritora.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...